2 A SOCIEDADE PARTENON LITERÁRIO E SUA REVISTA MENSAL
Nada menos afeito à Província do Rio Grande do Sul, no século XIX, em particular, do que os ideais gregos de ponderação, medida e equilíbrio. Aos homens que viviam em terras inóspitas e sem dono, no longínquo espaço do Brasil mais próximo ao Uruguai e à Argentina do que ao governo imperial do Rio de Janeiro, era difícil a preocupação com as matérias do espírito, da criação ou com as lides da cultura.
A rara presença de expressões culturais decorria das condições em que se desenrolava a história do território ao Sul do País. Se nos primeiros momentos, ou seja, nos séculos XVII e XVIII, o Rio Grande constituiu o espaço de disputa entre as duas coroas ibéricas – Portugal e Espanha – nos anos iniciais do século XIX, no período pós-independência do Brasil, viu-se agitado por tendências e orientações políticas polarizadas que dividiram os rio-grandenses entre monarquistas e republicanos.
Vivendo, portanto, sob o signo da desavença e da rivalidade, as tímidas iniciativas culturais que a Província conheceu até a segunda metade do século XIX acabaram, principalmente, pela incipiência das condições particulares de sua história e por causa das rivalidades acirradas entre os grupos. Embora, para Camões, fosse possível batalhar com a espada em uma mão e a pena em outra, o uso das armas monopolizou os rio-grandenses de tal forma que a atividade guerreira impediu a atenção dos sulinos para outros interesses, especialmente os culturais e literários. Se é possível dizer que a guerra motivou a escrita de versos ou sonetos e também que da vida reclusa das mulheres nas estâncias abastadas resultou um livro de poemas ou um libelo exaltado, esses episódios apenas atestam que em algum ponto do território havia manifestações culturais, mas que essas expressões isoladas não justificam o reconhecimento de vida literária até pelo menos a segunda metade do século XIX.
Eis que nesse ambiente mais voltado às armas do que às letras, quando os gaúchos estavam mais uma vez em conflito – agora na guerra do Paraguai – surgiu, em Porto Alegre, um empreendimento de caráter cultural – a Sociedade Partenon Literário. Fundada em 18 de junho de 1868, com o propósito de organizar a vida literária no Rio Grande, a entidade atuou até 1886[ 1 ], quando, por razões de ordem interna e fatores políticos, extinguiu-se finalmente. Nesse período, o Partenon Literário tornou-se o marco fundamental da literatura e da cultura da Província, de tal modo que a história da literatura do Rio Grande do Sul inicia sua trajetória por esse agrupamento que aglutinou em torno de um conjunto expressivo de intelectuais, o qual se tornou conhecido como “a geração do Partenon”.
Desde sua instalação, o Partenon orientou-se pela proposição de mecanismos eficazes para a concretização de suas metas. Visavam os partenonistas não só à descoberta e à divulgação de autores e obras, à formação de um público leitor na Capital e no interior, mas também aos recursos capazes de promover o consórcio entre os homens de letras. Reunidos, em maioria, pelos ideais republicanos e aglutinados por princípios políticos comuns, quais sejam, a república e a abolição da escravatura, o grupo do Partenon Literário provocou outra revolução na Província – aquela agora sustentada pela palavra.
Duas figuras lideraram a fundação da novel agremiação: de um lado, o médico porto-alegrense, jornalista e escritor José Antônio do Vale Caldre e Fião; de outro, o professor, jornalista e escritor Apolinário Porto Alegre. Formado no Rio de Janeiro, Caldre e Fião defendia ideias revolucionárias para o momento – favorável à abolição e à república – que justificaram as perseguições e as represálias de que foi alvo. Escreveu dois romances – A divina pastora (1847), que consta ter sido queimado em praça pública na Capital Federal, por expressar o ideário abolicionista, e O corsário (1851). Voltando ao Rio Grande do Sul, deparou-se com uma Província acanhada em termos culturais, mas sacudida pelos ideais que defendia e pelos quais se debatia.
Ao lado dele, surgiu Apolinário Porto Alegre, que, além de educador – tendo, por exemplo, instituído, em 1867, o Colégio Porto Alegre e, em 1870, o Colégio Rio-Grandense –, também se alinhava como defensor dos movimentos republicanos e antiescravagistas. Com 24 anos, com bagagem cultural invejável para o meio, leitor ávido e intelectual de posições partidárias definidas, Apolinário Porto Alegre assumiu a função de “abrir o ciclo literário da Província”. Para isso, eles fundaram na Capital do Rio Grande uma agremiação que se inspirou nos princípios gregos, desde sua denominação. A escolha do nome da entidade revelava o objetivo de permanecer fiel aos ideais de beleza e de perfeição da antiguidade clássica e de diferenciar a nova instituição de outro grupo, o vinculado à Arcádia, periódico que circulou entre 1867 e 1870, em Rio Grande e Pelotas. A sociedade fundada por Caldre e Fião e Apolinário Porto Alegre procurava reavivar o fausto da Grécia Antiga, nos moldes da cultura helênica em tempo e espaço muito distanciados.
Apolinário Porto Alegre, o mentor intelectual da agremiação, assim justificou a escolha da denominação:
A forma que se pretende dar ao Partenon, é a forma que outrora se ostentou em Atenas.
A associação literária que tomou o nome do templo ático, como homenagem às glórias do passado, ao maior povo de todos os tempos antigos, rende-lhe homenagem, copiando-lhes os traços arquitetônicos.[ 2 ]
Se a escolha do nome remontava à Grécia, a construção da sede da entidade exigia também a orientação da arquitetura dos antigos templos clássicos. Instalada inicialmente nas dependências da Sociedade Firmeza e Esperança, na antiga Rua de Bragança, hoje Marechal Floriano, no centro da Capital, o Partenon logo ocupou um prédio junto à Praça da Matriz.
Esse trabalho animava seus agremiados: em 1873, em terreno em arraial de Porto Alegre, foi lançada a pedra fundamental da associação, com a presença do Presidente da Província e do Bispo Diocesano. A iniciativa, por motivos desconhecidos, não logrou êxito. No entanto, a imperiosa necessidade de construção de uma sede própria para o desenvolvimento das letras rio-grandenses continuava a movimentar os associados. A ideia agora era a de adquirir um edifício já construído para nele instalar o Partenon. Em 21 de abril de 1881, Apolinário Porto Alegre, João F. Castro e Gaspar Guimarães, reconhecendo a importância da edificação, condição para o desenvolvimento das ações planejadas, voltaram-se para a aquisição da Bailante Soirée, como forma de solucionar, em parte, o objetivo da instituição da sede própria:
A comissão encarregada de dar parecer relativamente à compra da Bailante Soirée Porto-Alegrense, apesar de não ter ainda os esclarecimentos imprescindíveis sobre o terreno em que ela acha-se edificada, opina pela aquisição da mesma, porque só assim o Partenon Literário terá mais garantia de sua existência pela radicação no solo, bem como poderá realizar todas as criações [a] que aspira desde muito e que têm deixado de ser efetivas em razão da exiguidade de espaço e dos recursos pecuniários.[ 3 ]
As razões para a definição de um local próprio eram compreensíveis e a movimentação para sua consecução parecia caminhar em passos céleres. Em 1884, o jornal A Federação, de Porto Alegre, publicou o ofício do Presidente da Província ao diretor da Fazenda, autorizando a doação de um terreno ao Partenon:
Autorizo V.S. a contratar com a Sociedade Partenon Literário desta capital a cessão para a construção de um edifício de suas sessões, do uso do terreno sito à Rua Riachuelo, com fundos da Jerônimo Coelho desta cidade, que por uma comissão particular foi comprado para ser aplicado a melhoramentos da construção pública e acha-se à disposição desta Presidência, bem assim a aplicação da quantia de cinco contos e dez réis [...][ 4 ]
Não obstante, o interesse de suas lideranças e as iniciativas levadas a cabo para prover a Sociedade Partenon Literário de sede própria não conduziram a resultados positivos. Em 1885, a questão continuava na pauta de suas preocupações, e nova cerimônia de lançamento de pedra fundamental foi marcada. A realização desse ato, agendado para o dia 10 de janeiro de 1885 e prestigiado pela Princesa Isabel e pelo Conde d’Eu, parecia finalmente garantir a concretização do edifício almejado.
Considerando a importância do evento, foi construído um pavilhão ricamente decorado com as cores da campanha abolicionista e da pátria brasileira, no local onde seria fixada a pedra. Eram cinco horas da tarde, quando os convidados foram recebidos pela diretoria do Partenon e assistiram a uma sessão extraordinária da agremiação. O Presidente da Província, os partenonistas e os representantes do Centro Abolicionista acompanharam os presentes até o local do lançamento, quando então discursaram os Srs. Torres Homem e a Princesa Isabel. Após as palavras da Princesa e a bênção religiosa, os soberanos realizaram o ato simbólico de bater na pedra com o martelo, retirando-se da solenidade, após os cumprimentos formais.
Nessa última ocasião, foi novamente confirmado que a fachada deveria emular a cultura do passado grego e da antiguidade clássica. O edital lançado com o objetivo de orientar os interessados na edificação explicitava, no seu artigo 5º:
A fachada principal do edifício aproximar-se-á tanto quanto for possível da do templo de Minerva (Partenon de Atenas), podendo, porém, adaptar-se ao edifício, em vez da ordem dórica, a coríntia ou a compósita.[ 5 ]
O projeto do prédio previa a construção de um salão com dois gabinetes para a escola pública, uma sala para as sessões e os saraus, uma sala para biblioteca, uma sala para artes e ofícios, um salão para o museu e outra sala para aulas.
No entanto, apesar de todas as providências, também neste momento não se obteve o sucesso esperado e até hoje as causas que impediram tal construção não ficaram devidamente esclarecidas. Talvez os motivos do fracasso de 1873 sejam diferentes dos que justificariam o de 1885; aqui, a agremiação já se encontrava próxima do fim e o malogro pode ser resultante de seu enfraquecimento. O fato é que o Partenon Literário não dispôs de uma sede para seus trabalhos e permanecem até hoje dúvidas e incertezas quanto ao insucesso desse empreendimento.
Se a Sociedade Partenon Literário, contudo, viu fraudado seu projeto de construção de sede própria, resistindo ao tempo sem o seu “templo do saber”, símbolo material externo das ideias e dos ideais pelos quais propugnou, não se pode deixar de salientar as demais iniciativas em que os partenonistas alcançaram resultados visíveis. Desde o momento de sua instalação e nos anos seguintes, seus líderes e agremiados concretizaram as aspirações e os objetivos definidos em 1868, evitando que o Partenon tomasse o rumo de outras entidades similares que, em pouco tempo, colocaram ponto final em sua trajetória. Para isso, foi traçado um programa de ação, apresentado por Apolinário Porto Alegre no discurso de instalação da sociedade e publicado no primeiro número da Revista Mensal, lançado já no ano seguinte ao de sua inauguração, 1869. Nele, estão expressos os compromissos basilares da entidade:
O Partenon criou uma tribuna, para pugna oratória; uma biblioteca, onde reunirá as obras mais importantes relativas à grandiosa trindade de seus estudos: filosofia, história e literatura; aulas noturnas para os sócios que quiserem dedicar-se sem dificuldades ao granjeio da ciência [...] (p. 4)
As aulas noturnas foram uma de suas inciativas mais duradouras e somente por volta de 1884, por falta de recursos e inexistência de local próprio, tiveram de ser suspensas[ 6 ]. A correspondência enviada por professores dessas aulas às autoridades responsáveis comprova as condições de funcionamento da atividade. Em carta datada de 1º de fevereiro de 1884, Ramiro de Araújo, um dos docentes, registra que é “avultado o número de alunos, que atualmente frequenta esta aula”, chamando a atenção para o pouco espaço de que dispõem para o desenvolvimento do trabalho e para o problema que acarretará à população o fechamento dessas salas, o que irá “prejudicar os interesses de não pequeno número de cidadãos a quem o Partenon comprometeu-se dar-lhes instrução, e que por seu amor ao estudo, moralidade e disciplina tem feito jus a isso”[ 7 ]. Os problemas, porém, não se resumiram às questões físicas ou financeiras, mas atingiram outra área, qual seja, a de discordância com a orientação fornecida pelos responsáveis pela educação, na Província, resultando o fechamento dos cursos noturnos da soma desses fatores.
A biblioteca que os partenonistas formaram reuniu obras importantes nas áreas de Filosofia, História e Literatura, chegando a contar com mais de 6 000 volumes; a ela, agregaram um museu de ciências naturais, que incluía peças de Mineralogia, Arqueologia, Numismática e Zoologia.[ 8 ]
Do ponto de vista político, o Partenon envolveu-se na campanha em prol da libertação dos escravos, com a realização de espetáculos no Theatro São Pedro, em Porto Alegre, quando negros cativos eram alforriados muitos anos antes da assinatura da Lei Áurea. Outro tema abraçado pelos agremiados dizia respeito à república, defendida pela maioria dos associados. A tríade, portanto, sobre a qual repousava a agremiação podia ser expressa, preferencialmente, pela forma Abolição e República, na questão política, e Romantismo, no plano literário.
As questões de ordem literária, política e cultural que envolviam a entidade eram amplamente discutidas e difundidas, sobretudo nos saraus literários. Promovidos pelos associados, nesses eventos realizavam-se debates sobre temas candentes da época, apresentados pelos sócios da entidade, por suas esposas ou por pessoas convidadas às sessões. Verdadeiras oportunidades para a defesa de teses, os saraus agregavam a parte social à cultural e possibilitavam a presença de mulheres, numa época em que a participação feminina era ainda restrita. Luciana de Abreu, a mulher mais representativa desse grupo, marcou seus pronunciamentos em defesa da participação das mulheres e do espaço a elas destinado no lar.
A leitura das atas das sessões da sociedade, realizadas no período entre 1872 e 1873[ 9 ], apontam para a diversidade dos assuntos abordados. Alguns temas giravam em torno da literatura, em especial a nacional, como, por exemplo: 1. Qual a influência do século de Péricles no domínio da literatura? 2. Que domínios trouxe à história literária? 3. Qual o verdadeiro representante da nacionalidade brasileira, no desenvolvimento literário deste século? Outros temas, porém, voltavam-se para análises histórico-políticas sobre regimes de governo e questões inquietantes sobre a história do Rio Grande. Entre eles, mencionam-se: 1. A invasão da Província em 1865 tem justificação? 2. Quais as causas que trouxeram a Revolução de 35 para a Província? 3. A revolução foi necessária? 4. A revolução exprimia a real manifestação do povo? Outros temas, ainda, tinham efeito mais provocativo e estimulavam confrontos entre os próprios agremiados, ao abordar questões militares, religiosas ou partidárias, além de instituições, práticas e comportamentos sociais: 1. O casamento nas condições do catolicismo funda-se na lei natural? 2. A indissolubilidade dos laços é útil ou prejudicial aos interesses sociais? 3. A pena de morte é fundada no direito natural? 4. Por que razão a mulher não goza da liberdade do homem? Se esses assuntos movimentavam a tribuna, outros provocavam celeumas e discussões: a má remuneração dos professores, o casamento dos religiosos e o papel da mulher na educação da família.
Mas certamente a iniciativa que alcançou maior repercussão entre todas as demais foi a revista, materializando, assim, aquele núcleo, onde a luz civilizadora se concentrasse nos certames científicos, nos pleitos da tribuna e na discussão transcendente sobre o verdadeiro, o bom e o belo. Considerada tão necessária como as outras empreitadas – a tribuna, a biblioteca, o museu, as aulas noturnas –, a criação da revista é justificada no Programa já mencionado, quando o articulista indaga:
Por que criou a última?
Na antiguidade, o voo e exibição de ideias não tinha, como nos tempos modernos, limites enquanto ao local.
[...]
Assim o compreendeu o Partenon, criando a revista mensal, que, veículo poderoso, irá ao longe levar os frutos de seus talentos e labutações. (p. 4)
Sob a divisa – vitam impendere vero – lançavam os partenonistas o seu empreendimento mais audaz e profícuo, o veículo que, extrapolando os muros da agremiação e da Capital da Província, transformou-se no polo irradiador da literatura do Rio Grande do Sul.
Sob a denominação Revista Mensal da Sociedade Partenon Literário, o novo periódico começou a circular a partir de março de 1869, ou seja, apenas nove meses após a instalação oficial da sociedade e, durante dez anos, com pequenas interrupções, atingiu o total de 71 números.
Como não ostentava anúncios, a manutenção da revista se dava a partir do pagamento das mensalidades dos sócios efetivos, até porque não era vendida, mas distribuída:
De finalidade estritamente cultural, não angariava nem estampava anúncios comerciais, sendo suas despesas financiadas pela tesouraria do grêmio, e sua distribuição era feita – consta – gratuitamente, não só entre os sócios do Partenon, como entre pessoas que se interessassem pela publicação.[ 10 ]
Do ponto de vista de sua composição, a revista manteve regular parâmetro editorial: 1. geralmente era aberta por um esboço biográfico de alguma personalidade literária, política, religiosa ou militar; 2. seguiam-se peças de teatro (comédias e dramas), textos não ficcionais (discursos, teses, ensaios) e ficcionais (contos, novelas e romances); 3. logo após, incluíam-se os textos poéticos, em número variável. Ao final, trazia o Ementário Mensal (no primeiro ano) ou a Crônica (a partir do segundo ano), em geral assinada pelo redator do mês, espaço destinado aos comentários dos acontecimentos mais importantes do momento, como concertos, apresentações musicais e dramáticas, lançamento de livros e saraus.
A sociedade agrupava, além de Apolinário Porto Alegre e Caldre e Fião, numeroso grupo; a seguir, em ordem alfabética, os nomes mais representativos: Afonso Luís Marques, Antônio Ferreira das Neves, Apeles Porto Alegre, Aquiles Porto Alegre, Argemiro Galvão, Artur Candal, Artur de Lara Ulrich, Artur Rodrigues da Rocha, Augusto Ernesto Estrela de Villeroy, Augusto Tota, Aurélio de Bittencourt, Azevedo Júnior, Bernardo Taveira Júnior, Bibiano de Almeida, Carlos Ferreira, Carlos von Koseritz, Clemente Pinto, Cônego José de Noronha Nápoles Massa, Damasceno Vieira, Ernesto Santos e Silva, Eudoro Berlink, Felipe Néri, Fernando Gomes, Fernando Osório, Francisco Antunes Ferreira da Luz, Francisco Isidoro de Sá Brito, Frederico Ernesto Estrela de Villeroy, Graciano Alves de Azambuja, Gustavo César Viana Filho, Hilário Ribeiro, Inácio de Vasconcelos Ferreira, João da Cunha Lobo Barreto Filho, João Moreira da Silva, Joaquim Alves Torres, Joaquim Francisco de Assis Brasil, José Bernardino dos Santos, José de Sá Brito, Júlio de Castilhos, Juvêncio Augusto de Meneses Paredes, Lúcio Porto Alegre, Luís Kraemer Walter, Manuel José Gonçalves Júnior, Manuel José Soeiro Júnior, Miguel de Werna, Múcio Teixeira, Napoleão Poeta, Nicolau Vicente, Norberto Antônio Vasques, Oliveira Belo, Sebastião Leão, Silvino Vidal, Teodoro de Miranda, Vasco de Araújo e Silva, Vítor Valpírio (pseudônimo de Alberto Coelho da Cunha) e Zeferino Vieira Rodrigues Filho. Entre as mulheres, Amália dos Passos Figueiroa, Luciana de Abreu, Luísa de Azambuja e Revocata Heloísa de Melo.[ 11 ] Sabem-se alguns de seus presidentes: Ernesto Santos e Silva, em 1869; Gabriel Fay, em 1872; Firmiano Antônio de Araújo, em 1873 e 1874; Aquiles Porto Alegre, em 1879; Apolinário Porto Alegre, em 1880. O presidente honorário era José Antônio do Vale Caldre e Fião.
Quanto à circulação, seus idealizadores foram também responsáveis por renovadas técnicas de distribuição. Numa época em que as comunicações entre a Capital e os municípios era ainda restrita e, em certos casos, até perigosa, em função das acirradas posições partidárias entre chefes e subordinados, a sociedade instituiu a categoria de sócios-correspondentes, nas principais cidades do Rio Grande e do Brasil. Essa modalidade possibilitou a distribuição eficaz dos volumes entre todos os recantos da Província e, ao mesmo tempo, garantiu a formação de um público-leitor que, aglutinado pelos temas publicados, identificou-se com o modelo ali exposto. Dessa forma, não só a revista colaborou sobremodo para a definição do tipo regional – o gaúcho –, mas consolidou uma ideologia – a democracia campesina, garantidora das instituições rio-grandenses. O retorno a essa proposta era imediato: o candidato ou aspirante a escritor reconhecia nesses valores a matéria para exploração literária e, ao adotá-la, reforçava o conteúdo telúrico, concedendo à incipiente literatura a feição particular de que necessitava para sua aceitação.
Eis por que, mesmo sem terem redigido um documento formal sobre um projeto literário para o Rio Grande do Sul, o Partenon definiu os elementos para orientação da literatura regional: aproveitamento do tipo local, exploração da paisagem e da natureza, invocação da história, em especial, dos feitos heroicos e guerreiros, dos costumes, lendas e histórias do espaço rio-grandense. Esse tácito programa revestia-se ainda de um caráter integracionista, ajustando-se aos cânones da estética romântica nacional: a exploração do material regional respondia aos anseios de originalidade e nacionalidade preconizados pelos românticos como garantia da autonomia literária brasileira; por outro lado, afinava-se ao proposto pela agremiação da qual faziam parte, ao explorar e divulgar os recursos de sua região. No saldo final, os partenonistas vincularam-se ao Romantismo, contribuindo para a garantia e a manutenção do nacional, desenvolvendo uma expressão poética contributiva da afirmação do ideal de autonomia literária pretendido pela nação brasileira
[ 12 ].
Por outro lado, não se pode deixar de reconhecer que a prática teve ressonância particular, sugerindo a diferenciação entre os rio-grandenses e os demais integrantes da nação brasileira. A literatura produzida no Rio Grande era brasileira, mas a marca local de que se revestia trouxe consequências a seus autores, uma vez que enfatizou um certo ar separatista, de cuja aura até hoje parece que a literatura rio-grandense procura se libertar ou pelos menos justificar suas peculiaridades.
Enfim, se as questões do século XIX transpassaram as fronteiras do tempo, o legado deixado pela Sociedade Partenon Literário contabilizou resultados altamente positivos. Nas páginas desse periódico, escreveram não só autores mais representativos desse momento, mas também foi através da revista que se iniciou o trabalho de publicação dos textos fundadores da literatura rio-grandense. Reavivando, sobretudo, os ideais da causa farroupilha, modelando o tipo gaúcho e valorizando as peculiaridades da região, esses escritores tornaram-se os fundadores de um patrimônio literário e foram responsáveis pela formação de um legado que vem passando de geração em geração. Cultivando todos os gêneros, a Revista Mensal fomentou e incentivou a produção literária e definiu os parâmetros para um espaço particular – o Rio Grande do Sul.
Ao associar a divulgação do livro ao desenvolvimento da educação, disseminou no território sulino a constituição de sociedades literárias, a publicação de colunas literárias em jornais noticiosos, a instalação de bibliotecas – enfim, contribuiu para a formação de um público-leitor e consumidor de literatura. Esse aspecto – ir além da questão estritamente literária para buscar a democratização da cultura e do saber – propósito do Partenon desde sua fundação, foi enfatizado por João Pinto da Silva, autor da pioneira História literária do Rio Grande do Sul:
Não era o Partenon associação exclusivamente literária. Embora se não imiscuísse, de maneira direta e coletiva, na política dos partidos que, periodicamente, empolgavam o governo da Província, tinha orientação cívica, isto é, aspirava a desempenhar, fora da literatura, uma função social prática e eficiente.[ 13 ]
Constatação semelhante, a de que a Sociedade Partenon Literário não se preocupava apenas com a literatura, mas também com o social e o civismo, fez Álvaro Porto Alegre:
A finalidade do Partenon não se restringia somente à literatura. Foi muito além. Tudo isto prova à evidência, demonstra à saciedade, a grandeza do idealismo daquela geração extinta, não compreendida por snobs ridículos, voltados para o que é de fora, de grande valia, pelos ensinamentos que trazem, e pela metodologia empregada, todos o sabem, mas sem o poder de fazer esquecer o que é nosso, a não ser a quem não sinta os efeitos deste vocábulo: patriotismo.[ 14 ]
Outro ponto tornou singular a produção literária dos agremiados do Partenon Literário: a prosa de ficção colocou-se ao lado da poesia, forma por excelência romântica. Foi através da narrativa que os homens de Letras conseguiram representar o meio no qual estavam inseridos e distanciar-se da temática voltada à exploração do eu, própria da poesia romântica. O resultado, nesse caso, conferiu à narrativa um lugar de destaque na produção dos partenonistas, o que pode ser avaliado não apenas numericamente, mas pela variedade dos temas tratados. Ainda que o eu poético não tenha sido silenciado em favor das construções de caráter político, em que temas como abolição da escravatura, liberdade, república e valores morais do gaúcho ocuparam com maior frequência as páginas da revista, foi na prosa de ficção que os escritores registraram as peculiaridades do território, nela inscrevendo o tipo do gaúcho, seus usos e costumes, e a valorização da vida livre do homem do Sul.[ 15 ]
Nascida num momento histórico e literário particular, uma vez que a década de setenta do século XIX correspondeu também à de consolidação política do Rio Grande, a Sociedade Partenon Literário aglutinou os valores de ordem política - a independência e o liberalismo, remontando ao tempo da epopeia farrapa - e os transformou em matéria para criação literária, deixando-se conduzir pelas sugestões emanadas do Romantismo. Dessa forma, a exploração do regional, a promoção dos heróis nacionais e a exaltação dos valores próprios da cultura local, preconizadas pelos românticos, associaram-se aos anseios políticos dos rio-grandenses, e a combinação entre política e literatura foi responsável pela permanência e manutenção dos valores regionais. Enquanto esteve no poder a oligarquia de orientação republicana que dominou a política gaúcha, os temas explorados pela literatura coincidiram com os valores preconizados pelas lideranças políticas, pois que colaboravam para assegurar a manutenção, no poder, da classe dirigente gaúcha. Nesse caso, o Partenon Literário assumiu uma função especial, pois seus agremiados foram homens engajados com os ideais da elite política do Rio Grande do Sul e, ao mesmo tempo, foi ainda esse grupo quem produziu e divulgou o material literário capaz de representar e conformar os anseios da comunidade onde estava inserido.
O regionalismo que decorreu dessas condições esteve comprometido com a ideologia dos homens do poder – que procurou glorificar um herói. No entanto, os tempos áureos do regionalismo já são tempos de penúria e a exaltação literária do tipo regional compensa sua perda econômica e seu alijamento do círculo de poder. Em outras palavras, se a política rio-grandense, nas bases em que estava assentada, não tinha mais condições de sobrevivência, a criação da literatura, ao eleger um homem – o gaúcho; um tempo – o passado; e um espaço – a Campanha, encobriu, pela criação ficcional, a situação vivida pela Província. Artistas na criação, políticos na ideologia, mas, sobretudo, construtores da sociedade, o Partenon Literário conjugou finalidades literárias e políticas, do que resulta sua importância para a compreensão de um período histórico e para o estudo do nascimento da literatura sul-rio-grandense.
É dessa forma que a Sociedade Partenon Literário extrapolou sua finalidade enquanto entidade que veio para organizar a vida literária da Província: quanto a isso, não resta dúvida, porquanto seus agremiados concederam aos rio-grandenses os modelos que buscavam: a criação do herói regional, o gaúcho, “centauro dos pampas”, de valor físico e moral; aderiram ao plano republicano, promovendo o Rio Grande como o espaço de exercício da liberdade e da fraternidade. Do ponto de vista literário, adotaram o Romantismo vigente no centro do País, mas ajustaram-no aos meios e às condições do território sulino. Por isso, a prosa de ficção foi mais explorada do que a poesia, já que a primeira foi mais propícia ao desenho dos anseios políticos de que necessitavam os rio-grandenses.
Eis por que o Partenon Literário assume um caráter mítico: seus agremiados fundaram a literatura regional, definindo os elementos em torno dos quais os escritores deveriam construir sua produção e orientou o público leitor, que devia encontrar nas páginas dos literatos a manifestação das particularidades locais. Para embasar essa proposta, proporcionou aos homens de Letras as condições para a divulgação e a circulação do material literário, sendo a Revista Mensal o meio mais eficaz e eficiente para tanto. O Partenon Literário não apenas fundou a literatura regional, mas contribuiu para fundar o próprio Estado no qual se lançou: seus ideais literários confundiram-se com as propostas da classe de poder, associando literatura e política, sem prejuízo de uma ou de outra, justificando, assim, sua permanência e vitalidade.
Bernardo Taveira Júnior, um dos mais representativos membros da associação, talvez sintetize, nos versos do poema “Rio Grande do Sul” (Arcádia, Rio Grande, 1869), os ideais traçados pelo Partenon que, tal como o ensinamento da velha Grécia, mantém-se até hoje na memória e na história do Rio Grande:
Enquanto um Centauro
Aqui respirar
Dos livres o raio
Não há de expirar.
Hoje, 150 anos depois da criação do Partenon Literário, pode-se afirmar que mesmo sem sua sede (o seu Partenon) a entidade fundada por Apolinário Porto Alegre e Caldre e Fião transformou-se nos ônfalos para o qual todos os rio-grandenses se voltam ao escrever a história da literatura da Província mais meridional do Brasil, curiosamente assentada, segundo dizem os mais bairristas, no mesmo paralelo da mítica capital da Grécia. Tão mítica como a sociedade fundada, no século XIX, na Capital dos gaúchos.