O marco fundamental da literatura e da cultura da então Província, hoje Estado, do Rio Grande do Sul, instituído em Porto Alegre em 18 de junho de 1868, com o objetivo de organizar a vida literária no Rio Grande, denominado “Sociedade Parthenon Litterario”, completa 150 anos. Na sua origem, movidos pelo ideal republicano e abolicionista, um grupo de jovens liderado pelo médico, jornalista e escritor porto-alegrense José Antonio do Vale Caldre Fião e pelo professor, jornalista e também escritor Apolinário Porto Alegre, uniu-se para formar essa agremiação. No seu conjunto, contava com homens e mulheres combativos, cada qual com sua posição, como informa Guilhermino Cesar (1956, p. 177):
Os escritores e poetas que se destacaram são poucos, como é natural, mas entre eles não houve unidade de direção, de gosto e de disciplina mental que lhes desse a oportunidade de atuarem em coluna cerrada, como componentes de uma escola. Em essência, eram todos liberais e republicanos, salvo poucas exceções. Entre os mais moços, por isso mesmo mais ardentes e “modernos”, aparecem já os futuros positivistas rio-grandenses, que entrariam em choque com os velhos liberais da Monarquia. Os católicos conviveram ali com os maçons e os materialistas; os padres com os ateus; os moços com os velhos, numa camaradagem literária nunca antes ou depois vista por aqui. Entretanto sua convivência não foi invariavelmente tranquila e serena, como poderia parecer à primeira vista. Viveram eles amargos períodos de luta, de dimensões internas. Os heterodoxos, expulsos do grêmio, saíram para fundar associações semelhantes. Houve brigas, polêmicas, discussões violentas. A província era pequena para tanto ardor e combatividade, e os homens do “Partenon” constituíam uma legião.
Convém assinalar, apesar da referência predominante ser o gênero masculino, o feminino também marcou sua presença na Sociedade e na Revista, com destaque para Luciana de Abreu, Amália dos Passos Figueiroa, Luísa de Azambuja e Revocata dos Passos Figueiroa de Melo, entre outras, cujos textos e proposições podem ser conferidos nesta edição que ora se apresenta. Em sintonia com seus colegas, foram pioneiras na luta pela emancipação feminina, reivindicando o direito à liberdade, à educação e à instrução da mulher, direito este que ainda segue na pauta dos movimentos sociais e culturais.
Em relação ao objetivo da Sociedade, conforme mencionado, recupera-se a síntese, formulada por Guilhermino Cesar (1956, p. 178), daquilo que efetivamente ocorreu na prática:
Agremiou prosadores, poetas e homens de teatro, dando-lhes oportunidade de aparecer em conjunto, através der ruidosas afirmações. Publicou a Revista Mensal, cujo primeiro número apareceu em 1869. Instituiu aulas noturnas gratuitas, que começaram a funcionar em 1872, para ministrar ensino supletivo. Bateu-se ardorosamente pela abolição, organizando para isso festivais de propaganda e recolhendo donativos para a libertação de crianças escravas (numa das sessões, o Conde de Porto Alegre propôs a criação – o que foi feito – da “Sociedade Libertadora dos Escravos”). Procurou libertar a mulher de certos preconceitos e atraí-la a cultivar o espírito – em reuniões literárias como pela imprensa e pelo livro. Criou a sua própria biblioteca e estimulou a criação de outras. Incluiu entre seus fins a pesquisa bibliográfica relativa a homens de letras e rio-grandenses notáveis, como se vê de estudos publicados regularmente. Levantou o primeiro registro das tradições e lendas locais. Deu ênfase à comemoração de datas nacionais, como o Sete de Setembro e o 21 de Abril. Dedicou especial atenção ao teatro, dele fazendo uma arma em favor da libertação do escravo e das ideias republicanas. Exerceu intensa atividade social, promovendo reuniões em que se discutiam as teses mais diversas. Criou a imprensa literária e atraiu ao grêmio o simpático J. J. da Silva, que chegou a editar livros dos consócios, com vistas a fundar uma editora.
Essas realizações, em especial pela criação e fundação da Revista Mensal, motivaram a presente publicação comemorativa aos 150 anos da Sociedade Partenon Literário, que consiste na edição digital de todos os exemplares da Revista. Obra fac-similar, visa a possibilitar o acesso integral aos textos dos mais diversos gêneros e autores, bem como a oportunidade de conhecer como se conformava, no seu conjunto, cada um dos exemplares da Revista. Ou seja, além do universo literário e do formato editorial, já que a revista não se restringia apenas à divulgação e ao culto das Letras, mas abrangia um amplo repertório de temas e assuntos, tem-se a possibilidade (i) de conhecer posicionamentos sobre os mais diversos assuntos pautados na época e que muitos ainda hoje, em pleno século XXI, seguem em discussão; (ii) de conhecer a programação e a movimentação sociocultural do período; (iii) mapear as redes sociais que se estabeleciam entre a Província rio-grandense e as demais províncias nacionais, entre o local e o universal, isso entre outras ações e atividades relacionadas ao contexto histórico e sociocultural do momento de produção e de circulação da Revista.
Assim, a edição digital completa da Revista Mensal da Sociedade Partenon Literário, que circulou, com algumas interrupções, entre os anos de 1869 e 1879, é também uma forma de divulgar este trabalho realizado, como descrito no texto “A Sociedade Partenon Literário e a formação da literatura no Rio Grande do Sul” que abre esta edição. Tal projeto de edição foi desenvolvido pelos então professores da PUCRS Ir. Elvo Clemente (Coordenador) e Alice Therezinha Campos Moreira, em conjunto com alunos bolsistas de Iniciação Científica, de Mestrado e de Doutorado em Letras, em conjunto com o Instituto de Pesquisas Científicas e Tecnológicas (IPCT), a Biblioteca Central Irmão José Otão e a Faculdade de Comunicação Social (FAMECOS). Para a publicação, contou ainda com a participação da Prof.ª Maria Eunice Moreira, da PUCRS, e do Prof. Mauro Nicola Póvoas, da FURG, ambos pesquisadores com trabalhos publicados sobre o Partenon Literário. Este é também um modo de prestar contas dos apoios e auxílios financeiros recebidos das agências de fomento FAPERGS, CAPES e CNPq e, em especial, da PUCRS, a qual sempre garantiu condições para aquilo que é também a missão de uma universidade: investir em pesquisa e contribuir para a preservação da memória cultural da região e, consequentemente, nacional.
Profa. Dra. Regina Kohlrausch
Decana Associada da Escola de Humanidades - PUCRS