CONCLUSÃO

A experiência dos modelos de controle de constitucionalidade norte-americano, austríaco e alemão demonstra que a utilização exclusiva de quaisquer das espécies de eficácia, seja a ex tunc seja a ex nunc, não é suficiente para julgar com justiça todos os casos que envolvam questões constitucionais. Vê-se, pois, que nesses três modelos, a jurisprudência e, até mesmo, a Constituição, no que se refere ao sistema austríaco, tratou de estabelecer uma menor ou maior flexibilização dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade.

O direito austríaco já adotava como regra a anulabilidade da lei viciada por ofensa à Constituição, tendo em vista o princípio da segurança jurídica e a presunção de validade da lei, considerados fundamentais por Kelsen. O direito norte-americano, onde mais se defendeu a eficácia ex tunc – notadamente por meio dos ensinamentos de John Marshall e Alexandre Hamilton –, inaugurou a possibilidade de declaração de efeitos ex nunc no julgamento do caso Linkletter vs. Walker (1965), em que a Suprema Corte, considerando as repercussões da mudança de entendimento que ora se firmava, afirmou que os efeitos da declaração de inconstitucionalidade eram um assunto de política judiciária, a ser analisado caso a caso. E o direito alemão, que também adota a eficácia retroativa como regra, criou, desde a instauração do Tribunal Constitucional Federal, em 1951, uma série de variantes da decisão declaratória de nulidade: a declaração parcial de nulidade sem redução de texto; a declaração de inconstitucionalidade sem pronúncia de nulidade; a interpretação conforme a Constituição; e o apelo ao legislador.

O sistema brasileiro de controle, embora não tenha regulado a matéria na Constituição Federal, inspirado na previsão do art. 282 (4) da Constituição Portuguesa, deu um grande passo com a disposição dos arts. 27 e 11 das Leis nº 9.868/99 e 9.882/99, respectivamente, no sentido de traçar uma diretriz para a fixação dos efeitos temporais da declaração de inconstitucionalidade. A previsão de exceções à tese da nulidade absoluta não enfraquece a normatividade da Constituição; muito antes pelo contrário, enaltece o seu papel de lei fundamental na ordem jurídica à medida que busca concretizar o próprio fim a que se destina, qual seja, representar a vontade soberana do povo.

Verifica-se, entretanto, que, antes mesmo da edição das referidas leis, o Supremo Tribunal Federal já vinha adotando fórmulas de controle de constitucionalidade incompatíveis com a declaração de nulidade. É o caso do mandado de injunção e da ação declaratória de inconstitucionalidade por omissão (previstos, respectivamente, nos arts. 5º, LXXI, e 103, § 2º, da Constituição Federal), eis que não haveria como declarar a inconstitucionalidade de uma lacuna deixada pelo legislador. Antes disso, ainda, não se verificava nas representações interventivas qualquer exclusão do ato normativo inconstitucional por parte do Supremo, o qual se limitava a constatar a existência de ofensa aos chamados princípios sensíveis.

Pode-se concluir, portanto, que, se inexistentes tais previsões, nada impediria que o Supremo Tribunal Federal, cuja decisão é a última palavra em controle de constitucionalidade, restringisse os efeitos da declaração, tendo em vista que, por meio da aplicação do preceito da proporcionalidade, utilizado para resolver a colisão entre princípios constitucionais, poder-se-ia chegar à conclusão de que restrição dos efeitos, no caso concreto, melhor representaria a vontade da Constituição.

As razões de segurança jurídica e excepcional interesse social, por sua vez, tampouco deixariam de ser consideradas na ausência das (referidas) leis ordinárias que as prevêem como limites materiais à fixação dos efeitos retroativos da declaração de inconstitucionalidade, porquanto a hermenêutica constitucional está comprometida com a concretização do direito e, para bem atender a esse objetivo, necessário que se busque, tanto nos princípios formadores do espírito da Constituição quanto no caso concreto, a solução que melhor represente a vontade daquela.

Trata-se aqui de um conflito entre princípios constitucionais. Os princípios são normas que possuem um grau de abstração muito mais elevado do que o das regras. Destas, podem-se retirar diretamente as conseqüências jurídicas e daqueles não. A solução para o confronto de regras e princípios é uma decorrência desta distinção. Os princípios convivem, mesmo quando colidentes; caso em que deverão ser sopesados com base na situação concreta; já as regras, quando conflitantes, excluem umas às outras. Ambos, no entanto, possuem carga normativa, ou seja, não só as regras, mas também os princípios se impõem. Daí concluir-se que a supremacia da Constituição não impede, pelo contrário, determina que os princípios informadores da ordem constitucional sejam considerados no momento da fixação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade.

Embora existam, no Brasil, ações diretas de inconstitucionalidade nas quais se discute a legitimidade da manipulação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade, esta questão parece estar superada na própria jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, o qual tem invocado o art. 27 da Lei nº 9.868/99 não apenas em sede de controle abstrato como também em sede de controle difuso. No âmbito deste, aliás, defensável a tese de que a restrição dos efeitos também se justifica, tendo em vista que, cada vez mais, as decisões tomadas nas vias difusas de controle têm repercutido na solução dos casos similares tanto nas instâncias inferiores quanto no próprio Supremo. A possibilidade da limitação dos efeitos retroativos no controle indireto justifica-se, ainda, se se considerar a prática da prospectivity no modelo norte-americano, eminentemente difuso e que constitui a raiz do nosso sistema de controle de constitucionalidade.

A confiança que os indivíduos depositam nas leis e a boa-fé daqueles que pautam suas condutas conforme determinada previsão legislativa não podem ser minimizadas. Este o sentido do limite material segurança jurídica, estabelecido nos artigos 27 e 11 das Leis nº 9.868/99 e 9.882/99, porquanto, se tomada a expressão no seu sentido lato, estar-se-ia engessando o texto constitucional, na medida em que a própria disposição de direitos fundamentais na Constituição visa à segurança dos cidadãos e seria contraditório dizer que uma lei inconstitucional é mais segura do que aquela.

O fator excepcional interesse social tampouco poderá ser desconsiderado no momento de se verificar qual a solução mais justa para a fixação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade. Excepcional será aquele interesse social que tenha mais peso do que o princípio constitucional contraposto, violado pela lei objeto de controle. Assim como a lei inconstitucional viola algum princípio da Constituição, poderá a mesma, pois, estar impregnada de valor muito mais significativo do que aquele representado pelo princípio violado. Trata-se aqui de um interesse coletivo primário e não do interesse da Administração. A relevância está na proteção daquilo que a sociedade entende por bem comum.

Há que considerar, ademais, o fato de que, nos termos do art. 1º da Constituição brasileira, o Brasil constitui-se em Estado Democrático de Direito, cuja característica determinante está na realização do bem-estar social mediante a atuação e não apenas a omissão do Estado – como o era no Estado liberal – a fim de garantir os direitos dos cidadãos frente ao poder público e às forças particulares dominantes.

Se por um lado o controle de constitucionalidade das leis serve para garantir a segurança jurídica, por outro, esta, como princípio constitucional, bem como o excepcional interesse social, poderá em alguns casos justificar o reconhecimento das situações jurídicas que se criaram sob a vigência da lei inconstitucional e, até mesmo, a sua posterior aplicação.

Pode-se concluir, assim, que a flexibilização da eficácia ex tunc da declaração de inconstitucionalidade é uma decorrência do Estado Democrático de Direito, onde se deve buscar a máxima efetividade da Constituição, sem nunca perder de vista o espírito desta, por meio de uma hermenêutica preocupada com a concretização dos direitos fundamentais. Nesta esteira é que adquirem relevância as razões de segurança jurídica e excepcional interesse social como justificativa ponderada em face de outros princípios constitucionais, quando não for excessivo o sacrifício destes em favor daquelas.