3.6 A interpretação conforme a Constituição

Esta modalidade de decisão consiste no reconhecimento pelo Tribunal Constitucional da constitucionalidade de uma norma sob determinada interpretação. Será possível adotá-la, pois, quando a lei impugnada puder ser interpretada de formas diferentes. O fundamento para essa variante está no fato de que se deve sempre adotar uma interpretação sistemática no sentido de preservar a lei que possa estar de acordo com a ordem constitucional115. A presunção de constitucionalidade da lei e da regularidade da atividade legislativa exalta a tarefa do legislador de intérprete e concretizador da Constituição.

Todavia, ao mesmo tempo em que a interpretação conforme enaltece o papel do legislador, corre-se o risco de que ela seja utilizada num sentido contrário à vontade daquele. Daí a importância de fixarem-se os limites na literalidade da lei e nos propósitos perseguidos com a sua edição. Nesse sentido a decisão de 11/06/1958, na qual se estabeleceu que “o juiz não pode dar, por meio de interpretação ‘conforme a constituição’, a uma lei de texto e sentido inequívocos, um significado oposto àqueles” (BVERFGE 8, 28 – Besoldungsrecht)116. Assim, o Tribunal Constitucional não está autorizado a fazer um “aperfeiçoamento da lei”, porquanto isso implicaria numa solução mais drástica do que a própria declaração de nulidade, na medida em que não se deixaria ao legislador a possibilidade de conformar a lei com o texto constitucional.

O § 79, (1), da Lei do Tribunal Constitucional, ao tratar da revisão criminal com base nas suas decisões, menciona a hipótese de se declarar a incompatibilidade de determinada interpretação de uma norma com a Lei Fundamental, estabelecendo que também neste caso será aceita a revisão. Essa previsão revela apenas o “lado negativo” da interpretação conforme, no sentido de excluir a interpretação considerada inconstitucional117. Quando utilizada do “lado positivo”, declara-se a compatibilidade de determinada interpretação da norma, sem que isso signifique a exclusão de outras possíveis interpretações, até mesmo porque o Tribunal Constitucional não estaria apto para verificá-las todas.

Um dos motivos que causam dificuldade de distinção entre a interpretação conforme e a declaração parcial de nulidade sem redução de texto é, justamente, esse caráter cassatório, na medida em que o Tribunal pode utilizar-se daquela para censurar determinada interpretação que seja incompatível com a Lei Fundamental, sem declarar-lhe, no entanto, a inconstitucionalidade. Essa é a razão, aliás, de Bryde concluir que a interpretação conforme deve ser considerada como regra de hermenêutica e não como espécie de decisão, a fim de se evitar o seu uso como instrumento para preservação de leis inconstitucionais118.

Em sede de controle concreto, a utilização da interpretação conforme não gera tantos problemas, pois, ao decidir o caso sub judice, o magistrado escolherá aquela interpretação que seja compatível com a Constituição. A problemática está no âmbito do controle concentrado, no qual o Tribunal Constitucional analisa a constitucionalidade da norma impugnada de forma ampla, considerando, o quanto possível, as suas hipóteses de interpretação, dentro das quais estará aquela entendida como contrária à Constituição e que, inevitavelmente, deverá ser considerada inconstitucional. Aqui se trata de uma verdadeira declaração de inconstitucionalidade, ou melhor, de uma declaração de nulidade parcial sem redução de texto.

A aproximação entre as duas variantes mencionadas é motivo de polêmica não só na Alemanha, mas também no Brasil. No Supremo Tribunal Federal sempre predominou a idéia de que a interpretação conforme é uma espécie de declaração de inconstitucionalidade sem redução de texto, como se vê no julgamento da Representação nº 1.417 , na qual o Relator, Ministro Moreira Alves, observou que a atuação da Corte Constitucional como legislador negativo, ao declarar uma lei nula e excluí-la do ordenamento jurídico, também se verifica nos casos em que,

aplicando a interpretação conforme à Constituição, declara constitucional uma lei com a interpretação que a compatibiliza com a Carta Magna, pois nessa hipótese, há uma modalidade de inconstitucionalidade parcial (a inconstitucionalidade parcial sem redução do textoTeilnichtigerkärung ohne Normtextreduzierung), o que implica dizer que o Tribunal Constitucional elimina – e atua, portanto, como legislador negativo – as interpretações por ela admitidas, mas inconciliáveis com a Constituição119.