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Tendo em vista que as Leis nº 9.868/99 e 9.882/99 regulam processos no âmbito do controle abstrato, questiona-se sobre a possibilidade de o Supremo Tribunal Federal restringir os efeitos da declaração de inconstitucionalidade em sede de controle difuso. Nada poderia ser mais convincente do que a experiência constitucional norte-americana na utilização de fórmulas que viriam a flexibilizar a tese da nulidade ab initio da lei inconstitucional. As técnicas da pure prospectivity ou da limited prospectivity, embora criadas para os casos de alteração jurisprudencial de precedentes, ganharam importância nas hipóteses em que se passava a considerar inconstitucional uma lei cuja constitucionalidade vinha sendo até então reconhecida. Assim, “a prática da prospectivity, em qualquer de suas versões, no sistema de controle americano, demonstra, pelo menos, que o controle incidental não é incompatível com a idéia da limitação de efeitos na decisão de inconstitucionalidade”157.
No Brasil, aliás, a maioria dos casos em que se atribui eficácia ex nunc ou pro futuro às declarações de inconstitucionalidade está no âmbito do controle difuso. Um exemplo é o julgamento do HC nº 82.959158, no qual se declarou a inconstitucionalidade do § 1º do art. 2º da Lei nº 8.072/90, que proibia a progressão de regime de cumprimento de pena nos crimes hediondos. O Min. Carlos Ayres de Britto observou ser inevitável a aplicação da regra geral do Código Penal – embora esta também seja contrária à Constituição, por tratar da mesma forma situações desiguais – até que o legislador regule de forma específica a progressão de regime no caso dos crimes hediondos. Interessantes as justificativas do Ministro, que comprovam a importância da declaração de inconstitucionalidade com efeitos limitados para preservar, em alguns casos, uma situação que, se não é a mais perfeita, pelo menos, é a que está mais próxima da vontade da Constituição:
Lembrou o Ministro, ainda, que o Supremo Tribunal Federal já se havia manifestado pela possibilidade de aplicação subsidiária do art. 27 da Lei nº 9.868/99 no controle incidental de normas, ao julgar o RE nº197.917 159, famoso caso da inconstitucionalidade da fixação desproporcional do número de vereadores no Município de Mira Estrela (SP), em que “a declaração de nulidade, com seus normais efeitos ex tunc, resultaria grave ameaça a todo o sistema legislativo vigente”, devendo-se assegurar a prevalência do interesse público para fixar, “em caráter de exceção, efeitos pro futuro à declaração incidental de inconstitucionalidade”.
A declaração de inconstitucionalidade restrita vem sendo defendida no controle difuso, com destaque, pelo Ministro Gilmar Mendes, o qual ao deferir a medida cautelar ad referendum do Plenário na Ação Cautelar n. 189-7/SP , asseverou que
A limitação dos efeitos foi objeto central no julgamento do RE nº 442683/RS , em que se discutiu acerca das conseqüências da declaração de inconstitucionalidade de atos administrativos que, com base nos artigos 8º, III; 10, parágrafo único; 13, § 4º; 17 e 33, IV, todos da Lei nº 8.112/90 (declarados inconstitucionais em 1998 – ADI 837/DF), previam a progressão de servidores públicos mediante concurso interno, uma vez que violavam a exigência constitucional do concurso público como forma de acesso aos cargos públicos. O Supremo Tribunal Federal entendeu que “os princípios da boa-fé e da segurança jurídica autorizam a adoção do efeito ex nunc para a decisão que decreta a inconstitucionalidade. Ademais, os prejuízos que adviriam para a Administração seriam maiores que eventuais vantagens do desfazimento dos atos administrativos”161.
Recentemente, no julgamento dos Recursos Extraordinários 556.664, 559.882, 559.943 e 560.626, após declarar a inconstitucionalidade dos arts. 45 e 46 da Lei nº 8.212/91, que dispõem sobre prazos de prescrição e decadência em matéria tributária, por ofensa ao art. 146, III, b, da Constituição Federal, o Plenário do STF decidiu, por maioria de votos, modular os efeitos da decisão, determinando que a Fazenda Pública não poderá exigir as contribuições sociais com o aproveitamento dos prazos de 10 anos previstos naqueles dispositivos. Fez-se, todavia, uma ressalva quanto aos recolhimentos já realizados pelos contribuintes, os quais não terão direito à restituição, a menos que tenham impugnado a cobrança, pela via judicial ou administrativa, até 11/06/2008 (data da declaração de inconstitucionalidade)162.
A manipulação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade no controle difuso legitima-se na mesma medida em que se encontram fundamentos na Constituição para fazê-lo no âmbito do controle abstrato. Negar isso poderia resultar num esvaziamento da declaração de inconstitucionalidade restrita ou limitada, tendo em vista que no processo de natureza objetiva discute-se tão-somente a questão constitucional, não se produzindo a imediata desconstituição das relações jurídicas anteriores, por não se tratar, ademais, de ação com caráter satisfativo163.
O Ministro Gilmar Mendes, fundamentando voto-vista proferido no AI/AgR n. 582280/RJ , defendeu a tese de que a limitação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade poderia ser aplicada até mesmo quando se declarasse a não-recepção de lei anterior à Constituição. Entretanto, os demais Ministros não concordaram com a sua tese, restando assentado que a modulação dos efeitos pressupõe um juízo de inconstitucionalidade, que não se verifica nos casos de não-recepção, a qual consiste em simples revogação de ato estatal incompatível com as normas constitucionais supervenientes164.
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